Wagner Moura, no podcast PodPah, defendeu Tropa de Elite das acusações de ser um filme fascista dizendo, entre outras coisas, que a intenção dele não era aquela e que o filme é “polissêmico”, cabendo a interpretação de cada um. O Wagner é um artista sensacional e tem todo direito de defender o seu filme, mas Tropa é tudo menos “polissêmico” (mal resumindo, com muitos sentidos). O sentido final do filme é uma até óbvia defesa das forças repressivas, da guerra às drogas, da tortura e das chacinas contra a população da favela.
Essa coisa de falar “mas é só um personagem”, “é só um filme”, “mostra só a realidade” é um desvio da discussão central, que é o eixo discursivo da obra. Claro que filmes devem ter personagens imperfeitos, mas aqui toda a narrativa conduz a uma cadeia lógica de acontecimentos que objetivam comprovar algumas teses.
Tropa é contado sob o ponto de vista de Capitão Nascimento, com uma voz over onde praticamente moramos dentro de seu pensamento. Ele é o típico personagem de ação dos EUA, o “lobo solitário” que não se mistura com a instituição corrupta a qual faz parte. Hoje sabemos muito bem que esta imagem do BOPE passada pelo filme era uma mistificação, posto que vários quadros desta “elite” acabaram na milícia e na pistolagem. Mas a “tropa de “elite” é mostrada como aquela típica equipe ilibada, que ajudou a construir uma imagem idealizada da polícia mas que, com a repercussão do filme, participou sim de um processo de enaltecimento da violência policial e fortalecimento da extrema-direita.
Assim como em tudo no filme, a defesa de uma solução não-repressiva é tratada de forma caricatural, em adolescentes ricos maconheiros mimados. Não que figuras assim não existam, mas qualquer solução que passe por transformações sociais é estereotipada em um só balaio. Isso acontece porque eles buscaram um “espantalho” mais fácil para todos odiarem e as teses do filme serem comprovadas.
O simplismo de meme de grupo de família é realmente um desdobramento do enredo, com o “lobo solitário contra o sistema” mostrando que a solução é a repressão e matança, não transformações na sociedade. Ainda por cima, há uma falsa correlação entre honestidade e violência quando na verdade sabemos, também pelos desdobramentos históricos, que a violência contra as comunidades está justamente ligada a todo o corrupto e violento processo de estabelecimento do crime organizado das milícias.
Enfim, o assunto é complexo e não caberia tudo aqui (poderíamos falar também de questões estético-formais). Mas o próprio Padilha viu o que fez, mudando totalmente o direcionamento do segundo filme (que também tem seus problemas). Só que ele infelizmente não aprendeu a lição e seguiu chocando novos ovos de serpente em outras produções, pois continuou em um mesmo projeto político e fílmico, buscando novas “tropas de elite”, agora na Lava-Jato.
Em breve vou falar mais sobre isso, em um projeto sobre cinema brasileiro contemporâneo, onde abordarei o tema da polícia e da milícia em nossa cinematografia. Fiquem atentos!
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(Este é um texto retirado de minhas postagens no Facebook e Twitter, portanto, tem caráter mais simples e direto.)
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Gabriel Barcelos Sotomaior
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