O bebê olhava os outros assim: com os olhos muito arregalados. Ele parava e observava a moça e o rapaz de forma curiosa e assustada. Pouquíssimos adultos se preocupavam com este detalhe, afinal ele era um bebê e é isso o que os bebês fazem. Eles preferiam, por sua vez, apertar suas bochechas e falar através de onomatopeias, que para os adultos é o idioma dos bebês.
Contudo ele, o bebê, olhava para tudo quanto era coisa, cada coisa à sua vez. Meio Esfinge, meio Medusa, me olhava como se de mim soubesse um trunfo secreto. O bebê reparava cada um em separado. Das pessoas, investigava as suas formas e as suas intenções. O olhar do bebê era de choque em relação a esta vida estranha que começava.
O bebê, quando descolou as pálpebras, passou a existir fora do útero, fora da mãe e fora dele próprio. Apesar dos transtornos iniciais, aquele universo novo era tão assustador quanto interessante para o olhar do bebê. Ele vibrava com uma cabeça, com um olho; se assustava com movimentos bruscos; era assaltado pelo choque ao se deparar com gritos e cores berrantes; se encantava com cabelos coloridos e com narizes; reparava em orelhas grandes e caras engraçadas.
O interesse fisionômico do bebê era como o do pintor retratista clássico, aquele com o risco de ir para a forca se não fizesse uma representação satisfatória do monarca. O bebê não queria despedir-se do que era visto, do que era captado pelos seus sentidos; talvez por ele já saber, no seu íntimo inacessível, o inevitável de seu próprio fim. Dentro de seus sonhos e profecias secretas, intuía uma futura e certeira desaparição: o que foi visto, no instante único, seria pó da eternidade, a imagem que não há mais, ponteiro que muda de lugar.
Por isso mesmo, o bebê se desesperava quando algum colo desavisado o afastava para longe do rosto aleatório da calçada, daquela peculiar feição, escolhida, pesquisada, investigada. O bebê olhava ali, lá do alto, nos braços de um adulto; mais perto da marquise do que da terra engatinhada no parquinho, de minutos atrás. Por este motivo, o bebê virava o pescoço, no limite alcançado por sua estreante musculatura, até se despedir definitivamente e virar a próxima esquina, para uma nova aventura.
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Gabriel Barcelos Sotomaior
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Imagem: Pintura Escadaria em Auvers, Van Gogh
Legal seu texto, o que demonstra que vc é muito presente e observador. Sucessos com a Revista. Abraços
Muito obrigado Pastori. Muito feliz em ver que você leu meu texto. Um grande abraço!